II Boletim Informativo Trabalhista - STF declara constitucional a prestação de serviços intelectuais por meio de empresas

Até os anos 90 e início dos anos 2000, era corriqueira a visão, na doutrina e jurisprudência, de que trabalhos intelectuais não eram sujeitos às regras de uma relação de emprego (“regime CLT”), por serem intrinsecamente incompatíveis com o requisito da subordinação jurídica, previsto no art. 3o da CLT.

Essa visão foi sistematicamente desconstruída na doutrina e também em milhares de decisões da Justiça do Trabalho, reconhecendo o vínculo de emprego de prestadores de serviços intelectuais. Ainda, a administração pública passou a lavrar autos de infração, também reconhecendo vínculo de emprego.

Desde 2018, todavia, há uma clara sinalização do Supremo Tribunal Federal em prol de formas alternativas ao regime CLT, o que - acreditamos - ainda irá irradiar efeitos junto à Justiça do Trabalho.

A primeira decisão paradigmática foi tomada em agosto de 2018, no julgamento que versava sobre a possibilidade de terceirização de atividades fim (ADPF n. 324 e RE 958252).

Naquele julgamento, ficou assentada a tese de que é “lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas”.

Ano passado, o STF reafirmou sua posição favorável à modelos alternativos à CLT em dois relevantes casos: Em abril, declarou constitucional o regime de contratação autônoma de transporte rodoviário de cargas, sem vínculo empregatício (ADC 48 e ADI 3961).

Em 21 de dezembro de 2020, o Supremo Tribunal Federal finalizou o julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade n. 66 (“ADC”) que versa sobre a constitucionalidade do artigo 129 da Lei 11.196/2005 [1], que - em essência - permitia a pejotização de atividades intelectuais.

A autora da ADC alegou que este artigo estava sendo desconsiderado em diversas decisões da Justiça do Trabalho e Federal e do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), que entendem que as empresas poderiam estar burlando o fisco ou flexibilizando normas trabalhistas por meio da chamada “pejotização”.

Em sua minuta de voto (o Acórdão ainda não foi publicado), a Relatora Min. Cármen Lúcia apontou que existe complementariedade entre os valores sociais do trabalho e a livre iniciativa.

Sob essa perspectiva, ocorre a densificação da liberdade de organização da atividade empresarial, com flexibilidade. Assim, entendeu-se que o artigo discutido é compatível com a liberdade de iniciativa, consagrada como fundamento da República.

Em nossa visão, trata-se de mais um importante marco que reforça a atual visão do STF, no sentido de validar formas alternativas de trabalho.

[1] “Art. 129. Para fins fiscais e previdenciários, a prestação de serviços intelectuais, inclusive os de natureza científica, artística ou cultural, em caráter personalíssimo ou não, com ou sem a designação de quaisquer obrigações a sócios ou empregados da sociedade prestadora de serviços, quando por esta realizada, se sujeita tão-somente à legislação aplicável às pessoas jurídicas, sem prejuízo da observância do disposto no art. 50 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil.”

Elaborado por Fernando de Almeida Prado, advogado, professor universitário e sócio-fundador do BFAP Advogados.