Nova regulamentação para atuação de farmacêuticos abrange medicamentos à base de cannabis

Mario Barros Filho*

O Conselho Federal de Farmácia (CFF) regulamentou recentemente a atuação dos farmacêuticos na distribuição e assistência farmacêuticas de pacientes quanto ao uso de medicamentos e produtos à base de cannabis, que passarão a ser comercializados em farmácias nos próximos dias. A Resolução 680, de 20 de fevereiro de 2020, garante que o farmacêutico tem amparo do seu conselho para proporcionar medicamentos e outros produtos derivados da cannabis a um paciente (dispensação), afastando, assim, qualquer responsabilização de ordem ética, o que traz maior segurança na sua atuação.

Importante destacar que a resolução estabelece requisitos que são necessários à atuação do farmacêutico na comercialização dos medicamentos à base de cannabis, como ato exclusivo do farmacêutico. Isso é por delimitar a quem compete isso, vez que o farmacêutico é quem informa e orienta o paciente a respeito do uso adequado dos medicamentos, sua conservação e descarte. A expectativa é que se estabeleça controles farmacêuticos rigorosos não só para a produção destes medicamentos e produtos, mas também para a dispensação e eventual rastreamento de usuários destas substâncias.

A resolução confirmou que a dispensação é somente dentro de farmácias ou drogarias, com prescrição apenas por médicos. Foi uma boa percepção de não querer inovar. É, ao mesmo tempo, um reforço da legislação da ANVISA existente com a confirmação da conduta ética, de acordo com os preceitos da profissão do farmacêutico.

Devemos parabenizar o CFF pela iniciativa de regulamentar este ato profissional do farmacêutico, conduta que deve ser cobrada de outros conselhos profissionais (em especial do Conselho Federal de Medicina). Mas isso não é suficiente. É indispensável que se debata e regulamente a atuação de outros profissionais da área da saúde em relação aos medicamentos e produtos de cannabis. É sabido por todos que a discussão a respeito de produtos relacionados à cannabis deve ser multidisciplinar, norteada pelos princípios dos direitos humanos e da bioética. A indeterminação ainda existente acerca do assunto, dentro de uma série de questões, provavelmente também causará problemas de ordem éticas em relação a prescrição de produtos de cannabis, explica-se.

Por se tratarem de compostos com potencial terapêutico, quem procura medicamentos e produtos de Cannabis busca a cura ou o alívio para alguma doença ou comorbidade. Em razão disso, a prescrição por um médico é ato relevante e pode levar a algumas situações de ordem ética: ser clinicamente indicada, mas o médico não aceitar prescrever por objeção de consciência (isto é, por questões culturais pessoais, como ocorre no Brasil em muitos casos de aborto terapêutico); ser indicada a prescrição, mas o médico temer a punição ética por violar resolução antiga de conselho, em vigor e não formalmente revogada; ser indicada a prescrição, mas a instituição que o médico trabalha ser contrária a esta terapêutica, contrariando o princípio do melhor interesse do paciente.

Em suma, recomendamos que os profissionais cobrem que seus conselhos profissionais regulamentem o tema, que levem o tema para debate nos comitês de bioética, nos comitês de ética em pesquisa e, eventualmente, nas comissões de ética médica das instituições que trabalham. É essencial, como um problema multifatorial, que a sociedade brasileira redefina e amplie os parâmetros científicos e morais de atuação nesse tema.

*Mario Barros Filho é advogado, professor do Curso de Medicina da Faculdade Israelita de Ciências da Saúde do Hospital Albert Einstein e sócio-fundador do escritório BFAP Advogados

Artigo publicado no portal Estadão