Pandemia flexibiliza direitos e transforma relações trabalhistas

DGABC

Expansão do coronavírus pelo mundo modificou a forma de atuar; empresas colocaram funcionários em home office ou de férias

Diversos países pelo mundo, entre eles o Brasil, buscam frear a pandemia do coronavírus por meio de medidas de distanciamento social, que devem provocar o desaquecimento da economia, dificuldades para as empresas e a consequente perda de empregos. O governo federal anunciou, nos últimos dias, série de medidas para evitar a quebra das empresas brasileiras e especialistas divergem sobre a necessidade da flexibilização de direitos trabalhistas e o tamanho do peso da crise sobre os trabalhadores. Entretanto, é consenso que as mudanças devem provocar transformações nas relações de trabalho.

Por meio de decreto, o governo instituiu o status de estado de calamidade pública no País com efeitos até dezembro deste ano. Já a Medida Provisória 927 alterou lei criada para combater a pandemia e promoveu mudanças nas regras trabalhistas até o fim deste período: foi suspenso o recolhimento do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) pelas empresas relativo aos meses de março, abril e maio; acordos individuais poderão prevalecer sobre acordos coletivos; o home office e o banco de horas poderão ser instituídos de forma unilateral pela empresa; bancos de horas poderão ser compensados após a crise em caso de interrupção da jornada; não serão obrigatórios o controle de jornada do home office; fica dispensada a realização de exames médicos ocupacionais, clínicos e complementares; haverá prazo de 60 dias para a realização de exames demissionais após o desligamento; e auditores fiscais do trabalho não poderão aplicar multas sobre as empresas até setembro.

A medida também permitiu a antecipação das férias individuais e de feriados não religiosos, assim como a concessão de férias coletivas, com o prazo mínimo de 48 horas de comunicação ao empregado; a concessão de férias futuras as quais o empregado não tenha adquirido o direito; o pagamento das férias até o quinto dia útil do mês seguinte; o pagamento do abono de férias no fim do ano, junto ao 13º salário e; a suspensão de férias para trabalhadores da área de saúde e de serviços essenciais. “A MP 927, no geral, agiu bem de permitir que as empresas convalidem suas práticas posteriormente, de modo a impedir que tivessem que escolher entre prejudicar a saúde dos trabalhadores ou descumprir a lei”, opina Fernando Almeida Prado, advogado especialista em direito do trabalho e sócio do escritório BFAP Advogados.

Para Milena Pinheiro, advogada trabalhista e sócia do escritório Mauro Menezes & Advogados, a medida se destacou por preservar empresas e retirar direitos dos trabalhadores. “A sujeição a acordo individual de trabalho, e não a acordo coletivo, é bastante problemática, na medida em que os trabalhadores podem se ver coagidos a concordar com as propostas de seus empregadores como uma forma de preservarem seus postos de trabalho”, alerta.

Para Roberta Rodrigues Garcia, advogada trabalhista e sócia do escritório Carmelo Nunes, Guedes Nunes e Rodrigues Garcia Sociedade de Advogados, a flexibilização de direitos é justificável, mas o governo tem buscado tirar a sua responsabilidade em diminuir os efeitos da crise. “O governo apenas suspendeu o recolhimento do FGTS, sendo que poderia ter previsto sua participação efetiva com a disponibilização de recursos públicos, não sendo aceitável que transfira toda a responsabilidade para os empregados", exemplifica.

Outro ponto criticado na Medida Provisória é o fato de que para a Covid-19 ser considerada um acidente de trabalho será necessária a comprovação de que o contágio ocorreu em ambiente laboral. Entretanto, a mesma MP dispensou exames periódicos do trabalhador e postergou o prazo dos exames demissionais de dez para 60 dias, o que pode dificultar a comprovação.

O advogado trabalhista e sócio do escritório Stuchi Advogados, Ruslan Stuchi, orienta que o trabalhador procure demonstrar que houve negligência por parte da empresa. “É possível a responsabilização do empregador pelos danos causados e a obrigação de estabilidade no emprego por 12 meses após o retorno do empregado às atividades.”

Contudo, para Bianca Canzi, advogada especialista em direito trabalhista e sócia do escritório Aith, Badari e Luchin Advogados, os pontos da medida foram razoáveis. “Ao se tratar de uma pandemia global, não há como responsabilizar o empregador por uma eventual contaminação do funcionário, até mesmo pelo fato de ser um vírus, pois não existe como comprovar quem transmitiu”, pondera.

Lei permite afastamento por tempo determinado

Inicialmente, a Medida Provisória 927/20 ainda permitia que contratos de trabalho fossem suspensos por quatro meses, de forma unilateral pelas empresas e sem o pagamento de salário aos empregados. A mudança foi revogada em menos de 24 horas pelo governo após reação negativa do Congresso Nacional, que tem o prazo de até 120 dias para revogar ou transformar em leis os demais pontos da MP. É possível ainda que o governo edite nova Medida Provisória com regras para os contratos.

Para Mariana dos Anjos Ramos, advogada trabalhista e sócia do escritório Anjos Ramos Advogados, o maior problema da mudança foi o fato de ela não necessitar da concordância do empregado e dos sindicatos. “A própria CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) permite o chamado lay off, que é a suspensão do contrato de trabalho por um período de dois a cinco meses para participação do empregado em curso ou programa de qualificação profissional oferecido pelo empregador, desde que previsto em acordo ou convenção coletiva e com a concordância formal do empregado. Países que também sofreram os impactos da pandemia optaram por garantir a liquidez das empresas através de subsídios e suspensão de pagamento de tributos, além da instituição de seguro aos que perderem seus empregos, como a Espanha e França”, lembra.

O governo havia anunciado inicialmente a intenção de oferecer um voucher no valor de R$ 200 para trabalhadores informais durante crise. Entretanto, na quinta-feira, a Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei 9236/17 que prevê o valor de R$ 600 para pessoas de baixa renda. Mães que sejam chefes de família teriam direito a duas cotas do auxílio e o projeto deverá agora ser aprovado no Senado Federal.

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